Case #70 - A seriedade desconhecida


Reparei que Manuel pôs a mão no peito. Disse que se sentia nervoso. E não prestei mais atenção a isso - é frequente as pessoas estarem nervosas durante parte da sessão. Reparei nas suas calças, a variedade de cores cinza que tinham e comentei acerca disso - seria ele uma pessoa ´preto no branco´ ou uma pessoa de ´vários tons de cinzento´? No entanto, algo mais se passava com Manuel. Parecia triste, e não de todo interessado nas minhas perguntas. À medida que explorávamos a sua tristeza, tornou-se mais forte, mais profunda. Parecia bastante calado e afastado naquele lugar. É importante que quando fazemos uma exploração, ou nos movimentamos numa experiência Gestalt, prestemos uma atenção cuidadosa à energia da pessoa, e se ela não estiver presente, então estarmos disponíveis para mudar de direcção, para onde a sua energia residir naquele momento. Manuel contou-me ter sido uma criança reguila e indisciplinada até ao liceu, e tornar-se depois um aluno de topo. Era um pouco difícil para ele estar na ribalta, tanto pelas expectativas como pela inveja das outras crianças. E isto ainda era algo difícil para ele, ser visto pelos outros desta forma. Fiz-lhe notar que ele não parecia reguila nem atrevido agora - bem sério, pelo contrário. É importante fazer uma conexão entre a história que a pessoa está a contar com os fenómenos do aqui e agora - dizemos, fazer uma conexão do Campo com Tomada de Consciência. Perguntei-lhe acerca do que acontecera antes do liceu para provocar esta mudança, mas não me soube dizer. No entanto, parecia-me muito pesaroso. Perguntei-lhe então que idade ele sentia ter. Respondeu-me que se sentia com 4 anos. Indaguei sobre o que tinha acontecido nessa altura. Contou-me que tinha sido enviado para um infantário em regime de internato, mas não tinha nenhuma memória específica. Ficámos assim sentados por algum tempo. Parecia muito recolhido, muito sério, muito angustiado. Perguntei-lhe acerca da sua experiência. Disse-me que se retirava para o interior de si mesmo quando sentia este tipo de tristeza profunda - era difícil partilhar. Isto mostrou-me exposição da sua parte, pelo que lhe disse que estava presente, sólido, disponível, ajudador e interessado nos seus sentimentos. Sentia-me aberto e caloroso em relação a ele. Permanecemos sentados por algum tempo mais. Nada parecia mudar. À medida que olhava para ele, parecia-me que se encontrava nalgum tipo de choque emocional. Comentei-lho. Ele não me sabia localizar nenhum incidente. Mas era evidente que ´algo` acontecera, por volta daquela idade, que lhe causara muito dano. É importante ´não empurrar o rio`. Quando as coisas não fluem, sentamo-nos simplesmente com ´o que há´, sabendo que o que emergir é suficiente, e se algo mais tiver que emergir, assim sucederá. Os momentos em que se animou foi quando falou da sua filha, e como nunca a deixaria ser forçada a fazer algo que não quisesse fazer. Isto pelo menos era evidente - ele tinha sido forçado a fazer algo: devolvi-lhe esta reflexão. Enquanto estávamos ali sentados, o que eu conseguia ver mais claramente era a sua seriedade. Disse-lhe, ´Eu levo os teus sentimentos muito a sério agora mesmo´. Isto teve um grande impacto nele. Claramente, a sua angústia tinha passado, e ele aprendeu a geri-la internamente. Tinha-o feito toda a vida, e agora encontrara alguém que o viu nesse lugar, viu a sua angústia e a tomou a sério. Tal foi suficiente. O assunto não foi ´resolvido´, não localizámos o incidente ou incidentes. Mas em Gestalt buscamos uma qualidade de contacto, com consciência plena: isso é em si mesmo transformador.

 Posted by  Steve Vinay Gunther