Case #67 - Um casamento tradicional, ou um casamento moderno?


Hong e Yuen estavam noivos. Ela tinha 35 anos e ele 43. Vieram a terapia por causa de uma disputa difícil que não conseguiam resolver. De acordo com a tradição, Hong queria que a sua mãe viesse morar com eles após o casamento, ao que Yuen se opunha totalmente. Após explorar um pouco as circunstâncias de ambos, perguntei a cada um qual o principal tema de preocupação acerca do casamento. Ambos concordaram que este era o ponto chave. No entanto, eles não tinham realmente debatido em profundidade um leque amplo de assuntos futuros. Assim, dei um passo atrás no sentido de os levar a ter uma perspectiva mais alargada. Num extremo pus um marcador simbolizando uma relação de casamento tradicional chinesa, e no outro extremo um símbolo para uma relação moderna. Perguntei-lhes então onde se situavam neste espectro. Hong distava 30% do extremo tradicional e Yuen 30% do extremo moderno. Expliquei-lhes que este era o tema fundamental que estava em jogo, e que haveria muitas circunstâncias específicas em que esta diferença de posições se manifestaria em conflito. Pedi a cada um que fizesse uma afirmação resumida da sua posição. Para Hong, era dar-se bem com a família alargada. Ele queria que Yuen fosse "dócil e amável". Para Yuen, era ser independente, enquanto casal, e poder ter a sua própria opinião acerca das coisas. Assim, primeiro pedi-lhes que disessem uma frase um ao outro: "Vejo que és diferente de mim, e isso é difícil." Este processo confrontou-os com a realidade da diferença. Hong tentou acrescentar "e espero que tu venhas a mudar", mas eu interrompi-o - este é um problema essencial com os casais, esperam que o outro (passado algum tempo) venha a mudar. Então levei-os a dizerem uma outra frase: "Vejo a diferença entre nós; posso não concordar com os teus pontos de vista, mas respeito a tua posição." Isto foi difícil para ambos, e Yuen estava resistente, uma vez que pensava que isso significava capitular perante a postura de Hong. Expliquei-lhe que respeito não significa ter de concordar, and ela finalmente pronunciou a frase. Ambos se emocionaram muito ao dizê-lo - tinham que parar de tentar convencer a outra pessoa, e vê-la apenas. Isto é sempre ameaçador para os casais. Foi também compreensível que Yuen se sentisse particularmente angustiada - não só estava realmente apegada à ideia de terem a casa só para eles, também tinha medo de ser anulada pelo peso da tradição no lado da família de Hong, e do facto de ser uma mulher, num mundo ainda- patriarcal. Foi então que contei a Hong uma das descobertas nas investigações de John Gottman sobre casais - que os casamentos mais bem sucedidos são aqueles nos quais o homem está disposto a ser influenciado pela sua mulher. Isto deve-se provavelmente a que num sentido estrutural, os homens tendem a ter mais poder na maioria das áreas da vida. Continuei então no processo de os ajudar a negociar este tema em particular. Expliquei-lhes que alguns assuntos têm posturas diametralmente opostas. Mas outros podem ter soluções criativas. Yuen queria que pelo menos as noites fossem só para eles enquanto casal. Hong propôs que a mãe pudesse vir durante o dia visitá-los, uma vez que tinha estado a usar uma divisão do andar de baixo como escritório. Yuen concordou. Perguntei então qual a proposta dela. Ela queria os fim-de-semana para eles enquanto casal, com a concessão de que os pais de Hong pudessem vir jantar de vez em quando. Hong não queria nenhum acordo rígido. Eu chamei a atenção para o facto de uma negociação precisar de ter limites bem estabelecidos. Eles discutiram então alguns detalhes, e chegaram a um acordo. A expressão de Hong suavizou-se. Esta discussão tinha decorrido de uma forma excepcionalmente suave, e tinham ultrapassado os seus anteriores acessos de zanga quando se tocava no tema. Tinham de facto chegado a um acordo sobre estes assuntos. Foi então que ele perguntou: "Como vou falar disto com a minha mãe?" Estava genuinamente angustiado: tinha diante dele uma tarefa para desenvolver este processo de diferenciação, e estava bloqueado. Yuen por sua vez ficou também muito angustiada e começou a chorar. Tornou-se receosa de que Hong voltasse com sua a palavra atrás no acordo, e que simplesmente reivindicasse os deveres e obrigações do modelo tradicional. Começou a tentar discutir com ele. Impedia-a, e em vez disso pedi-lhe que olhasse para a cara dele. Era muito difícil para ela, estava zangada e com medo. Quando ambas as pessoas estão angustiadas, é difícil para uma delas conter-se e estar presente para o outro. Escolhi pedir-lhe a ela para o fazer. Ele eencontrava-se numa grande luta interna, dividido entre o sentido do dever e o desejo de querer dar prioridade à relação de ambos. Fora ela quem iniciara a sessão de terapia, e quem tinha mais conhecimentos psicológicos. Assim sendo, foquei-me nela e apoiei-a. Pedi-lhe que realmente viesse para o presente, que o visse a ele na sua luta. Era-lhe muito difícil, mas continuei focado nela. Apresentei-lhe o amor como uma escolha para ela naquele momento. Disse-lhe: " Consegues ver a luta genuína dele, e podes simplesmente amá-lo neste local, apesar de ser diferente?" Ela pôs o seu medo de lado, e mudou subitamente. Disse-lhe: "Nunca esquecerei a minha intenção de te amar, ainda que existam diferenças". Isto foi um momento profundo entre eles, e também eu tinha lágrimas nos meus olhos. Tinham conseguido atravessar o conflito, e tinham de facto conseguido aprofundar o seu amor, e a sua capacidade de amar, de um modo muito significativo. Ele sentiu-se profundamente visto, e disse-lhe: "Neste momento és dócil e amavél para mim." Ambos tinham assumido um risco, e tinham agora chegado juntos a um novo local. Relembrei-os de que iriam surgir novamente muitos assuntos deste tipo, mas que agora sabiam como superá-los. Em Gestalt interessamo-nos nas diferenças como sendo um ponto potencial para uma boa qualidade de contacto. Tal requer auto-apoio na fronteira de contacto, e interesse no outro. Isto é difícil para a maioria das pessoas, e normalmente precisam de apoio para o conseguirem fazer. O apoio precisa de ser tanto prático - o como fazê-lo - como emocial. É um grande confronto depararmo-nos com a diferença, e frequentemente as pessoas zangam-se ou vacilam. Quando Yuen foi capaz de estar presente consigo mesma, e de seguida com Hong no momento da sua vulnerabilidade, uma situação impossível pôde mudar.

 Posted by  Steve Vinay Gunther